domingo, 12 de abril de 2015

POR UMA CIDADE LIVRE DO RACISMO: CARTA DE REPÚDIO À ADMINISTRAÇÃO DO INDEPENDÊNCIA SHOPPING

POR UMA CIDADE LIVRE DO RACISMO: CARTA DE REPÚDIO À ADMINISTRAÇÃO DO INDEPENDÊNCIA SHOPPING


     Mais de 30 entidades se mobilizaram para denunciar uma ação discriminatória do Independência Shopping em Juiz de Fora (MG). O centro de consumo voltado para a elite local entrou na justiça com pedido de liminar pleiteando a determinação de uma multa no valor de 10 mil reais para quem participasse de "tumultos, algazarras e correrias" (sic) nas dependências do shopping, além de aval judicial para proibir a entrada de menores de idade desacompanhados dos responsáveis.
     No processo, com o objetivo de comprovar a periculosidade que as aglomerações de jovens representavam ao patrimônio do shopping, a instituição anexou uma série de fotos:





     [Como se pode notar, a maioria (pra não dizer todos) dos jovens das fotos são negros.]

     Tendo seu pedido deferido apenas parcialmente na primeira instância, o shopping recorreu da decisão para tribunal superior. Na segunda instância, o pedido do shopping foi negado e Ministério Público (vara da infância juventude) inclusive emitiu para fins de processo, um parecer no qual apontou o caráter descriminatório desta ação do Independência Shopping.
      Foi justamente em face a esta situação que mais de 30 entidades se mobilizaram para denunciar para toda a sociedade juizforana o caráter racista e excludente deste centro comercial, que, desde a sua fundação traz um histórico de hostilidade para com a comunidade negra e de periferia.
       Segue abaixo a carta de repúdio movida pelas entidades à administração do Independência Shopping:

"POR UMA CIDADE LIVRE DO RACISMO: CARTA DE REPÚDIO À ADMINISTRAÇÃO DO INDEPENDÊNCIA SHOPPING 

No dia 03 de março de 2015, o periódico “Tribuna de Minas” tornou pública a notícia de que o Independência Shopping, principal shopping da cidade de Juiz de Fora, conquistou judicialmente uma liminar que autoriza a aplicação de multa no valor de 5 mil reais para quem pratique “atos que impliquem em ameaça à segurança dos frequentadores e comerciantes dentro do estabelecimento”. 

A liminar é mais um elo de uma cadeia de medidas restritivas como a colocação de grades na entrada do estabelecimento e a retirada de assentos de seu interior, para evitar a aglomeração de pessoas. A justificativa, segundo a administração do shopping, é a prevenção contra tumultos e brigas envolvendo jovens no local, fatos que - afirmam lojistas e funcionários - estariam ocorrendo no centro comercial. Essas assertivas, no entanto, servem apenas como pretexto para legitimar mais uma ação elitista e racista na linha do tempo do Independência Shopping. Na mesma notícia, o site “Tribuna de Minas” relata que o Shopping está buscando, judicialmente, a proibição da entrada de adolescentes sem o acompanhamento dos pais. Cabe aqui reproduzir dois trechos de entrevistas realizadas com uma gerente de loja e com uma vendedora, respectivamente: 

“Muitos adolescentes vêm para cá e ficam reunidos na entrada do shopping, atrapalhando a passagem de outras pessoas. O cliente acaba ficando intimidado com a situação toda, e isso prejudica os lojistas.” 

“Como cliente, eu vinha aqui e achava incômodo aqueles adolescentes consumindo álcool e cigarro na porta. Creio que esta atitude não deve ser tomada em via pública, mas sim em bares e casas de show. Isso não agrada ninguém. Como funcionária, penso que não podemos impedir o trânsito de nenhuma pessoa no shopping, mas vejo a iniciativa como uma maneira de preservar o local.” 

Ora, o que são esses depoimentos senão a corroboração discursiva com um racismo velado? Quem são afinal esses adolescentes? A resposta é muito simples e uma breve retrospectiva sobre o histórico do Shopping pode nos responder: a construção do centro comercial, voltado para a população de média e alta renda, acarretou a destruição do campo de futebol da Curva do Lacet, espaço utilizado durante décadas como área de lazer de moradores da região, especialmente do bairro Dom Bosco, bairro de aglomeração majoritariamente negra e de baixa renda. om a destruição do campo do Lacet para dar lugar a um gramado de acesso ao shopping, a população do Dom Bosco se viu carente de alternativas para o lazer e prática cultural. O Shopping, devido ao custo relativamente elevado de seus produtos não surgiu como alternativa de consumo para aquela comunidade, entretanto, nos últimos tempos, o local se tornou um ponto de encontro da juventude do bairro nos fins de semanas. É um caso típico de “rolezinho”, prática que ganhou espaço na mídia nacionalmente no ano de 2013 devido à sua criminalização em grandes shoppings do país. 

É interessante refletirmos que o Independência Shopping é constantemente palco de eventos como a pré-estréia de filmes que lotam o estabelecimento no horário nobre, geralmente com estudantes da zona sul e área central da cidade. Outros acontecimentos municipais como o PISM da UFJF também proporcionam ao shopping uma superlotação após a realização das provas na universidade. Porém, esses momentos de grande aglomeração (que reúnem jovens de classe média, em sua maioria brancos) não parecem incomodar o Shopping. O que incomoda os clientes, comerciantes e a administração é aglomeração da juventude negra da cidade de Juiz de Fora, juventude que foi diretamente atacada pela instituição quando esta conseguiu, junto à Prefeitura, autorização para destruir o campo do Lacet. 

A medida liminar concedida pela justiça ao Shopping reflete uma política de higienização social racista do estabelecimento que, após um longo histórico de violência (física e verbal) dos seguranças para com os jovens (obviamente, não os jovens ricos), consagra a restrição do direito de ir e vir dos adolescentes da periferia dentro do local. Não por acaso foram colocadas grades na entrada do Independência e também retiradas as cadeiras e sofás antes disponibilizadas para o público, com o objetivo único de impossibilitar a permanência dos jovens no local, pois eram exatamente essas as acomodações utilizadas por eles. 

Tanto o depoimento da gerente de loja quanto da vendedora refletem um arcabouço argumentativo que visa camuflar a verdade por trás destas constatações: as aglomerações e o consumo de bebidas e cigarros incomodam porque são de jovens negros e pobres, afinal as aglomerações são comuns no shopping por parte de jovens de classe média bem como o consumo de bebidas, que ocorre livremente na praça de alimentação (onde vários tipos de bebidas são oferecidos nos diversos estabelecimentos). Não há sequer um registro de depredação, violência ou furto causado por essas “aglomerações” capaz de justificar a restrição e o constrangimento da entrada destes jovens no local. A preservação de que fala a vendedora na reportagem é a preservação da paisagem branca e rica dentro do shopping. 

Por fim, além do desrespeito aos incisos XV e XVI do artigo 5º da Constituição Federal que versam, respectivamente, sobre o direito á livre locomoção em território nacional e sobre direito de reunião em locais abertos ao público, é necessário relembrar o posicionamento de autoridades, como o da OAB-DF (Ordem dos Advogados do Brasil – Distrito Federal) e do MP-DFT Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) sobre a proibição dos “rolezinhos” em shoppings de todo o pais:

“A Constituição garante o direito de reunião, independente de autorização. Ela fala em ‘local aberto ao público’, seja de natureza pública ou privada. O fato de ser um shopping não autoriza que se faça uma seleção.”(Anderson Pereira Andrade, promotor da Infância e da Juventude do MPDF) 

“Embora de administração privada, o shopping é aberto ao público. Portanto, é livre a manifestação, desde que pacífica e, notadamente, sem violência.”(Indira Quaresma, vice-presidente da comissão de Direitos Humanos da OAB-DF) 

Tendo em vista o exposto, manifestamos nosso repúdio às ações segregacionistas de cunho racista engendradas pelo Independência Shopping no sentido de criminalizar a juventude negra e pobre. Exigimos a cassação da liminar supracitada e o fim da política de restrição e constrangimento da entrada dos jovens em questão no local! 

ABAIXO O RACISMO VELADO E INSTITUCIONALIZADO! 

#JFSEMRACISMO 

Assinam essa carta: 

Cáritas de Juiz de Fora 
Casa Fora do Eixo 
Centro Acadêmico da Psicologia da UFJF 
Centro Acadêmico do Bacharelado Interdisciplinar de Ciências Humanas (CA BACH/Ufjf) 
Centro Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF (CACAU) 
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora (CDDH) 
Centro de Prevenção à Criminalidade (CPC) 
Coletivo Duas Cabeças 
Coletivo Vozes da Rua 
Comissão de Direitos Humanos da OAB/Subseção de Juiz de Fora 
Diretório Acadêmico da Administração da UFJF 
Diretório Acadêmico Benjamin Colucci da Faculdade de Direito da UFJF (DABC) 
Diretório Acadêmico da Faculdade de Geografia da UFJF (DAGEO) 
Diretório Acadêmico da Faculdade de História da UFJF 
Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo - Relações Urbanísticas e Arquitetônicas (EMAU - RUA) 
Fórum Municipal de População em Situação de Rua de Juiz de Fora 
Flowkilla 
Instituto Educação e Cidadania (IEC) 
Juventude e Revolução (JR) 
Levante Popular da Juventude 
MaisJF - Movimento Urbanista 
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Gay de Minas (MGM) 
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Gabriel Pimenta (NAJUP-GP)
Partido Comunista Brasileiro (PCB) 
Partidos dos Trabalhadores (PT) 
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) 
Prática Ateliê - Usina de ideias para Arquitetura e Urbanismo 
Rede Nacional de Assessorias Jurídicas Universitárias (RENAJU) 
União da Juventude Comunista (UJC) 
União da Juventude Socialista (UJS) 
União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG) 
UniBairros

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