POR UMA CIDADE LIVRE DO RACISMO: CARTA DE REPÚDIO À
ADMINISTRAÇÃO DO INDEPENDÊNCIA SHOPPING
Mais de 30 entidades se mobilizaram para denunciar uma ação discriminatória do Independência Shopping em Juiz de Fora (MG). O centro de consumo voltado para a elite local entrou na justiça com pedido de liminar pleiteando a determinação de uma multa no valor de 10 mil reais para quem participasse de "tumultos, algazarras e correrias" (sic) nas dependências do shopping, além de aval judicial para proibir a entrada de menores de idade desacompanhados dos responsáveis.
No processo, com o objetivo de comprovar a periculosidade que as aglomerações de jovens representavam ao patrimônio do shopping, a instituição anexou uma série de fotos:
[Como se pode notar, a maioria (pra não dizer todos) dos jovens das fotos são negros.]
Tendo seu pedido deferido apenas parcialmente na primeira instância, o shopping recorreu da decisão para tribunal superior. Na segunda instância, o pedido do shopping foi negado e Ministério Público (vara da infância juventude) inclusive emitiu para fins de processo, um parecer no qual apontou o caráter descriminatório desta ação do Independência Shopping.
Foi justamente em face a esta situação que mais de 30 entidades se mobilizaram para denunciar para toda a sociedade juizforana o caráter racista e excludente deste centro comercial, que, desde a sua fundação traz um histórico de hostilidade para com a comunidade negra e de periferia.
Segue abaixo a carta de repúdio movida pelas entidades à administração do Independência Shopping:
"POR UMA CIDADE LIVRE DO RACISMO: CARTA DE REPÚDIO À
ADMINISTRAÇÃO DO INDEPENDÊNCIA SHOPPING
No dia 03 de março de 2015, o periódico “Tribuna de Minas” tornou
pública a notícia de que o Independência Shopping, principal shopping da
cidade de Juiz de Fora, conquistou judicialmente uma liminar que autoriza a
aplicação de multa no valor de 5 mil reais para quem pratique “atos que
impliquem em ameaça à segurança dos frequentadores e comerciantes dentro
do estabelecimento”.
A liminar é mais um elo de uma cadeia de medidas restritivas como a
colocação de grades na entrada do estabelecimento e a retirada de assentos
de seu interior, para evitar a aglomeração de pessoas. A justificativa, segundo
a administração do shopping, é a prevenção contra tumultos e brigas
envolvendo jovens no local, fatos que - afirmam lojistas e funcionários -
estariam ocorrendo no centro comercial.
Essas assertivas, no entanto, servem apenas como pretexto para
legitimar mais uma ação elitista e racista na linha do tempo do Independência
Shopping.
Na mesma notícia, o site “Tribuna de Minas” relata que o Shopping
está buscando, judicialmente, a proibição da entrada de adolescentes sem o
acompanhamento dos pais. Cabe aqui reproduzir dois trechos de entrevistas
realizadas com uma gerente de loja e com uma vendedora, respectivamente:
“Muitos adolescentes vêm para cá e ficam reunidos na
entrada do shopping, atrapalhando a passagem de outras
pessoas. O cliente acaba ficando intimidado com a
situação toda, e isso prejudica os lojistas.”
“Como cliente, eu vinha aqui e achava incômodo aqueles
adolescentes consumindo álcool e cigarro na porta. Creio
que esta atitude não deve ser tomada em via pública, mas
sim em bares e casas de show. Isso não agrada ninguém.
Como funcionária, penso que não podemos impedir o
trânsito de nenhuma pessoa no shopping, mas vejo a
iniciativa como uma maneira de preservar o local.”
Ora, o que são esses depoimentos senão a corroboração discursiva
com um racismo velado? Quem são afinal esses adolescentes? A resposta é
muito simples e uma breve retrospectiva sobre o histórico do Shopping pode
nos responder: a construção do centro comercial, voltado para a população de
média e alta renda, acarretou a destruição do campo de futebol da Curva do
Lacet, espaço utilizado durante décadas como área de lazer de moradores da
região, especialmente do bairro Dom Bosco, bairro de aglomeração
majoritariamente negra e de baixa renda.
om a destruição do campo do Lacet para dar lugar a um gramado de
acesso ao shopping, a população do Dom Bosco se viu carente de alternativas
para o lazer e prática cultural. O Shopping, devido ao custo relativamente
elevado de seus produtos não surgiu como alternativa de consumo para aquela
comunidade, entretanto, nos últimos tempos, o local se tornou um ponto de
encontro da juventude do bairro nos fins de semanas. É um caso típico de
“rolezinho”, prática que ganhou espaço na mídia nacionalmente no ano de
2013 devido à sua criminalização em grandes shoppings do país.
É interessante refletirmos que o Independência Shopping é
constantemente palco de eventos como a pré-estréia de filmes que lotam o
estabelecimento no horário nobre, geralmente com estudantes da zona sul e
área central da cidade. Outros acontecimentos municipais como o PISM da
UFJF também proporcionam ao shopping uma superlotação após a realização
das provas na universidade. Porém, esses momentos de grande aglomeração
(que reúnem jovens de classe média, em sua maioria brancos) não parecem
incomodar o Shopping. O que incomoda os clientes, comerciantes e a
administração é aglomeração da juventude negra da cidade de Juiz de Fora,
juventude que foi diretamente atacada pela instituição quando esta conseguiu,
junto à Prefeitura, autorização para destruir o campo do Lacet.
A medida liminar concedida pela justiça ao Shopping reflete uma
política de higienização social racista do estabelecimento que, após um longo
histórico de violência (física e verbal) dos seguranças para com os jovens
(obviamente, não os jovens ricos), consagra a restrição do direito de ir e vir dos
adolescentes da periferia dentro do local. Não por acaso foram colocadas
grades na entrada do Independência e também retiradas as cadeiras e sofás
antes disponibilizadas para o público, com o objetivo único de impossibilitar a
permanência dos jovens no local, pois eram exatamente essas as
acomodações utilizadas por eles.
Tanto o depoimento da gerente de loja quanto da vendedora refletem
um arcabouço argumentativo que visa camuflar a verdade por trás destas
constatações: as aglomerações e o consumo de bebidas e cigarros incomodam
porque são de jovens negros e pobres, afinal as aglomerações são comuns no
shopping por parte de jovens de classe média bem como o consumo de
bebidas, que ocorre livremente na praça de alimentação (onde vários tipos de
bebidas são oferecidos nos diversos estabelecimentos). Não há sequer um
registro de depredação, violência ou furto causado por essas “aglomerações”
capaz de justificar a restrição e o constrangimento da entrada destes jovens no
local. A preservação de que fala a vendedora na reportagem é a preservação
da paisagem branca e rica dentro do shopping.
Por fim, além do desrespeito aos incisos XV e XVI do artigo 5º da
Constituição Federal que versam, respectivamente, sobre o direito á livre
locomoção em território nacional e sobre direito de reunião em locais abertos
ao público, é necessário relembrar o posicionamento de autoridades, como o
da OAB-DF (Ordem dos Advogados do Brasil – Distrito Federal) e do MP-DFT
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) sobre a proibição dos
“rolezinhos” em shoppings de todo o pais:
“A Constituição garante o direito de reunião, independente
de autorização. Ela fala em ‘local aberto ao público’, seja
de natureza pública ou privada. O fato de ser um
shopping não autoriza que se faça uma
seleção.”(Anderson Pereira Andrade, promotor da Infância
e da Juventude do MPDF)
“Embora de administração privada, o shopping é aberto
ao público. Portanto, é livre a manifestação, desde que
pacífica e, notadamente, sem violência.”(Indira Quaresma,
vice-presidente da comissão de Direitos Humanos da
OAB-DF)
Tendo em vista o exposto, manifestamos nosso repúdio às ações
segregacionistas de cunho racista engendradas pelo Independência Shopping
no sentido de criminalizar a juventude negra e pobre. Exigimos a cassação da
liminar supracitada e o fim da política de restrição e constrangimento da
entrada dos jovens em questão no local!
ABAIXO O RACISMO VELADO E INSTITUCIONALIZADO!
#JFSEMRACISMO
Assinam essa carta:
Cáritas de Juiz de Fora
Casa Fora do Eixo
Centro Acadêmico da Psicologia da UFJF
Centro Acadêmico do Bacharelado Interdisciplinar de Ciências Humanas (CA
BACH/Ufjf)
Centro Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da UFJF (CACAU)
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora
(CDDH)
Centro de Prevenção à Criminalidade (CPC)
Coletivo Duas Cabeças
Coletivo Vozes da Rua
Comissão de Direitos Humanos da OAB/Subseção de Juiz de Fora
Diretório Acadêmico da Administração da UFJF
Diretório Acadêmico Benjamin Colucci da Faculdade de Direito da UFJF
(DABC)
Diretório Acadêmico da Faculdade de Geografia da UFJF (DAGEO)
Diretório Acadêmico da Faculdade de História da UFJF
Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo - Relações Urbanísticas e
Arquitetônicas (EMAU - RUA)
Fórum Municipal de População em Situação de Rua de Juiz de Fora
Flowkilla
Instituto Educação e Cidadania (IEC)
Juventude e Revolução (JR)
Levante Popular da Juventude
MaisJF - Movimento Urbanista
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Gay de Minas (MGM)
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Gabriel Pimenta (NAJUP-GP)
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Partidos dos Trabalhadores (PT)
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU)
Prática Ateliê - Usina de ideias para Arquitetura e Urbanismo
Rede Nacional de Assessorias Jurídicas Universitárias (RENAJU)
União da Juventude Comunista (UJC)
União da Juventude Socialista (UJS)
União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG)
UniBairros