domingo, 24 de agosto de 2014

Neoliberalismo, e mais grades que separam quintais, a miséria no cárcere ... Mas o que o meu curso de direito tem a ver com isso, afinal?

Na última quarta-feira, dia 13 de agosto, o Fórum Permanente de Direitos Humanos promoveu junto com as entidades parceiras, dentre elas o Najup Gabriel Pimenta, um espaço para expor para sociedade civil as condições deploráveis em que se encontram xs encarceradxs no nosso microcosmo de Juiz de Fora e para propor ações efetivas junto de todxs xs interessadxs no tema. 

O público presente foi diverso, desde estudantes, professorxs, profissionais que atuam na área e também com enriquecedora presença de ex-detentos que contaram a experiência de passar pelo cárcere no Brasil. 

Fiz esse breve relato para justificar o ensejo deste texto, pois a presença significativa de estudantes me incentivou a tratar do tema no que toca nosso ensino jurídico mais detidamente. 

A exposição da total discrepância existente entre a realidade vivida por quem já passou pelo cárcere no Brasil e as garantias constitucionais teoricamente vinculantes coloca aos estudantes de Direito uma imensa responsabilidade: buscar entender qual o nosso papel no sentido de compreender e criticar esse modelo nitidamente falido das prisões e reorientar nosso posicionamento, que atualmente legitima tal situação. 

Poderemos entender a conjuntura dessa saciedade do senso comum por mais e mais encarceramento se partirmos da análise de Wacquant, que apresenta, a partir de análise feita nos Estados Unidos, o deslocamento de um Estado Previdenciário, que no Brasil nem chegou a ser efetivamente implementado, a um Estado Penal. Isso ocorreu pela inovação trazida pela onda neoliberal, que desfacela o primeiro e institui o segundo combinando um workfare restritivo com um prisonfare expansivo.  Assim, passa-se a tratar as questões sociais com políticas de segurança, sejam elas comunitárias ou ‘milícias’, como diria Edson Lopes, e o que dizer das UPP’s ? Verdadeiros panópticos modernos, fazendo a gestão das comunidades mais pobres a partir da lógica da segurança (PM’s), principalmente no RJ, que, embora não traga os equipamentos sociais devidos pelo Estado à população, coloca essas comunidades na lógica do mercado formal, aumentando o mercado consumidor urbano ao mesmo tempo em que intensifica o processo de gentrificação, que é a instrumentalização de fatores econômicos para expulsão de populações tradicionalmente ocupantes do espaço.

Wacquant chama a atenção que isso gesta um governo de “insegurança social” que lança as bases para a desmedida demanda por pena por parte da própria sociedade, e que segundo Edson Lopes traz um duplo aspecto: o mercado da segurança e a segurança para o mercado. Mas não deixa de enfatizar que isso ocorre também com a legitimação da Academia. Mesmo as faculdades de Sociologia têm tratado de corroborar com uma lógica punitivista por parte do Estado, através de suas pesquisas e consultorias, que apontam sempre, sem o menor respaldo, para o famigerado ‘aumento no índice de criminalidade’, e sem a menor hesitação ao falar dos autos-de-resistência (que tem servido desde ditadura para matar a população jovem, negra e pobre desse país de forma sistemática, de uma forma que eu diria que já se tornou constante política de Estado).

Vivendo esse cenário, chegamos esse ano, no Brasil, ao desonroso lugar de terceira maior população carcerária no mundo. E aqui coloco de forma tranqüila, é inaceitável que um@ estudant@ de direito reproduza o discurso mais que ‘senso comum’ de que o problema do Brasil é impunidade, é que ‘bandido bom é bandido morto’. Não. Por favor. Não ouse dizer isso. 

Mas vamos lá! Lancemos mão de um pequeno exemplo. Nos cursos de Direito em geral, somos ensinados uma matéria dentro do Direito Penal, Cálculo de Pena. E no meu caso em específico, fui incentivada tanto pelo professor da disciplina quanto pela áurea “linha dura” que pairava sobre ele e suas declarações dentro de sala, que eu deveria utilizar o método trifásico de aplicação de pena de forma mais rigorosa possível, utilizando justificações como “personalidade voltada para o crime” - assim como os girassóis - sem o menor constrangimento. Mas o que eu só aprendi com a Sociologia, obrigado Wacquant, é que isso não é aleatório! Isso é conjuntural e ideológico. 

São as nossas condutas reiteradas de não pensar criticamente como estamos aplicando o conhecimento que nos foi dado, que as injustiças no mundo se reforçam. É a nossa glorificação do Direito Penal e o recrudescimento da interpretação crítica do mesmo que faz DIRETAMENTE com que a vida de milhares de pessoas seja miserável. Pois não nos damos ao trabalho de abrir os olhos para realidade e enxergar para saber, sentir como estão as condições das prisões no Brasil. Então, deixe-me dizer: Elas estão abarrotadas da nossa juventude negra, pobre!! A maioria por conta de crimes relacionados ao patrimônio ou às drogas (guerra que lucra para alguns ao passo que ceifa milhares de vidas humanas injustamente). E isso não é aleatório! Zaffaroni nos coloca a questão da criminalização primária e secundária que explica o caráter PRECISAMENTE SELETIVO do Direito Penal. 

Só quero colocar aqui, para os meus colegas estudantes de Direito: o mínimo que vocês podem ser é garantistas penais! Ao resto, é desinformação ou identificação de classe. A classe dominante realmente não vai  parar de dizimar aqueles que podem oferecer perigo à manutenção de seu poder em nome da dignidade da juventude pobre.Não há alternativa. Por isso, quero reiterar a nossa responsabilidade para que a nossa formação seja humanista no Direito! Os códigos, os manuais, tudo isso faz sentido se aplicando no mundo concreto histórico, tangível em que vivem pessoas reais! É preciso buscar, no mínimo honestidade. Não podemos engolir conceitos ou teorias somente para provas ou comodismo. É na realidade que se vive, que se sente dor ou se é feliz. Portanto análises jurídicas não podem se furtar à realidade dessa gente que é a maioria, essa gente a quem é negada a riqueza e a efetivação de seus direitos. 

Às vezes o nosso júbilo sangue-nos-olhos de cada vez mais pena, está legitimando a dizimação de uma classe, pois aqui em Juiz de Fora, os encarcerados não tem condições mínimas de higiene, saúde, em última instância de dignidade. 

São os encarcerados, pessoa humana? Sujeitos de direito? Em que direito vc acredita? E Para quem?

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